Marcello
Simão Branco
Quem
disse que é só o cinema americano que tem o seu Oscar? Se a festa maior do
cinema acontece no último domingo de fevereiro, a da ficção científica dos
Estados Unidos acontece no primeiro domingo de setembro, com a entrega do Hugo.
Assim como a Sétima Arte, a Arte do Amanhã também tem vários prêmios de
diferentes matizes.
Se
no cinema americano o Oscar foi instituído em um momento decisivo, em 1928, com
o surgimento dos filmes falados, com relação à ficção científica americana
deu-se um fenômeno semelhante.
Era
o início dos anos 1950, e o gênero começava a ganhar ares industriais, passando
do ambiente dos pulp magazines
(revistas baratas vendidas em bancas de jornais e supermercados), para a das
grandes editoras, que começavam a publicar regularmente os primeiros livros de
ficção científica, aproveitando os autores mais populares dos anos 1940, na
chamada Golden Age: Isaac Asimov
(1920-1992), A.E. Van Vogt (1912-2000), Robert Heinlein (1907-1988) e Frederik
Pohl (1919-2013).
É
nesse clima de expansão comercial que surgem os primeiros prêmios voltados à
ficção científica. O primeiro deles foi o International Fantasy Award (IFA),
criado na Inglaterra, por um grupo de fãs e escritores em 1951. Escolhiam os
vencedores alguns nomes importantes da ficção científica britânica. A primeira
obra vencedora foi o romance Só a Terra
Permanece (Earth Abides), do
escritor americano George R. Stewart (1895-1980), um clássico.
Mas
o IFA acabou superado por aquele que viria a ser o prêmio mais popular da
ficção científica em todo o mundo, o Hugo. Ele foi criado em 1953 pelo fã Hal
Linch e apresentado na Convenção Mundial de Ficção Científica daquele ano, na
Filadélfia. O primeiro vencedor é outra obra clássica da ficção científica, O Homem Demolido (The Demolished Man), de
Alfred Bester (1913-1987). A partir de 1955 na WorldCon
realizada em Cleveland até o prêmio a ser entregue este ano em San José
(California), o Hugo vem sendo entregue todos os anos aos melhores e mais
populares da ficção científica em língua inglesa.
A
exemplo do Oscar, o Hugo - com o troféu ao lado -, é entregue em várias categorias, tais como romance,
novela, conto, filme, editor, ilustrador etc., refletindo mais tendências
populares do que propriamente critérios artísticos. Também como o principal
prêmio do cinema, seu nome deriva de uma homenagem carinhosa. Só que ao
contrário do Oscar, que ninguém sabe realmente quem foi, o Hugo lembra a figura
do editor Hugo Gernsback (1884-1967). Ele foi o sujeito que publicou a primeira
revista dedicada inteiramente à ficção científica em todo o mundo, Amazing Stories, a partir de 1926 e
também cunhou o termo “science fiction”.
Os
vencedores em cada categoria são escolhidos por eleição dos fãs, votando tanto
aqueles que comparecem às WorldCons, tanto aqueles que mandam seus votos por
correspondência. A partir do ano 2000 passou a ser aceito votos enviados pela
Internet. Nos últimos anos o Hugo tem enfrentado polêmicas relacionadas a
grupos ou escritores que dizem representar minorias e, por se sentirem
prejudicados, adotam ações de lobby
ou sabotagem para prejudicar o prêmio. Mesmo assim ele segue inabalável como o
mais representativo do campo da FC.
Escritores
Se
o Hugo é o prêmio dos fãs, surge em 1965 um prêmio mais rigoroso quanto à escolha
dos vencedores. É o Prêmio Nebula, criado pela Science Fiction and Fantasy
Writers of America (SFFWA), uma associação de escritores norte-americanos.
Votam no Nebula apenas os autores associados e as categorias são apenas
literárias: Melhor romance, novela, noveleta, conto e, mais recentemente,
roteiros de cinema e televisão. O primeiro vencedor do Nebula, foi um dos
clássicos absolutos da ficção científica, Duna,
de Frank Herbert (1920-1986), que também conquistou o Hugo no mesmo ano.
A
partir de 1974 o Nebula passou a ser entregue também a um escritor com
destacada carreira e influência dentro da ficção científica, o chamado Grande
Mestre, rebatizado posteriormente como Damon Knight Memorial Grand Master, em
homenagem ao escritor e crítico Damon Knight (1922-2002), também agraciado com
o título em 2002. O primeiro homenageado
foi Robert Heinlein (1907-1988). Arthur C. Clarke (1917-2008), Isaac Asimov e
Ray Bradbury (1920-2012) também já ganharam. No total 33 autores já foram lembrados,
e em 2017 o prêmio será entregue para Jane Yolen, autora ainda
inédita no Brasil.
Não
demorou muito para a indústria editorial americana explorar o filão dos autores
e obras vencedores do Hugo e Nebula. Livros que vencem estes prêmios têm edições
extras, seus autores são mais bem pagos, editam-se várias antologias com os
contos vencedores de ambos os prêmios. E, de mais a mais, não deixa de ser um
critério objetivo de qualidade para o leitor na hora de escolher que livro de
ficção científica levar para casa.
Sendo
a sociedade americana extremamente competitiva e diversificada, não demorou em
surgir outros prêmios, de características mais específicas. Entre eles, podemos
citar, o World Fantasy Award, um equivalente do Hugo para o gênero fantasia; dois
prêmios que levam o nome de John W. Campbell, Jr (1910-1961), o mais influente
editor da história da FC dos EUA: o John Campbell Award, entregue ao autor
revelação do ano, e o John Campbell Memorial Award, para o melhor romance de FC
do ano nos EUA, agraciado pela Kansas Science Fiction and Fantasy Society; o
prêmio entregue pela principal revista sobre ficção científica no mundo, a Locus, que leva o seu nome; além de dois
prêmios britânicos tradicionais, entregue por associações de fãs e escritores:
British Science Fiction e o British Fantasy.
E
sem esquecer de citar os prêmios que recebem nomes de escritores consagrados,
como Philip K. Dick, Arthur C. Clarke e Theodore Sturgeon. O primeiro para o
melhor romance em formato pocket
(bolso) publicado anualmente nos Estados Unidos; o segundo para o melhor
romance publicado na Grã-Bretanha; e o terceiro para o melhor conto norte-americano
do ano.
Cinema
Mas
se estamos falando dos prêmios literários, é importante lembrar que existem
também prêmios para o cinema de ficção científica, tal como o Saturno - com o troféu ao lado -, e o
Avoriaz, este entregue no festival espanhol de cinema de mesmo nome. Mas a
referência principal no cinema também é o Hugo. A categoria “Dramatic
Presentation”, que representa séries de TV e filmes para o cinema é a mais
concorrida e votada todos os anos.
Algumas
obras seminais que mudaram o destino do gênero na TV e cinema ganharam o Hugo,
tais como a série Além da Imaginação
(por três anos), Jornada nas Estrelas
(clássica, dois anos), 2001: Uma Odisséia
no Espaço, Guerra nas Estrelas, Os Caçadores da Arca Perdida, Blade Runner, Truman Show e, no ano passado, Perdido
em Marte, como longa-metragem, e um episódio da série Jessica Jones.
Mas
não é só nos States e no Reino Unido que os prêmios de ficção científica
proliferaram. Países como França, Austrália, Rússia, Itália, Espanha e Japão
também entregam prêmios importantes no ambiente local de sua produção literária
de ficção científica.
Brasil
Mas
e nós? No Brasil, os prêmios de ficção científica também existem e vieram a
refletir o desenvolvimento do gênero no fim dos anos 1980. Assim surgiu o
Prêmio Nova, criado pelo fã e escritor Roberto de Sousa Causo em 1987. O
objetivo foi homenagear os trabalhos de destaque em cada ano e incentivar a
competição e o aprimoramento entre os escritores, editores e ilustradores de
ficção científica no Brasil. Desta forma, o Nova mudava o número de categorias
quase todos os anos e também o critério de votação, refletindo o que se
produzia em termos de ficção científica brasileira. Embora restrito à
comunidade de fãs, o Nova durou dez anos – até 1996 – é uma tradição em nossa
história, além de ter legado um herdeiro nos dias atuais, o Prêmio Argos.
Entregue
pelo Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC), entre 2000 e 2003, é escolhido
pelo voto dos sócios foi o primeiro e único prêmio brasileiro de ficção
científica, que remunerou os vencedores – em suas duas primeiras edições. Depois
de ausente alguns anos retornou em 2012 e mantém-se ativo no momento.
Outros
prêmios foram criados e descontinuados. Ainda nos anos 1990, o fanzine Megalon promoveu a entrega do Prêmio
Tapìraì, entre 1992 e 1994, votado pelos leitores da publicação; também
originário dos anos 1990, o Prêmio SBAF, da Sociedade Brasileira de Arte
Fantástica, era concedido a uma pessoa em particular por serviços relevantes
para o desenvolvimento da ficção científica no Brasil. Não era concedido necessariamente todo ano, mas apenas quando
seu júri entendia que alguém havia se destacado o suficiente. O último premiado
foi o escritor Roberto de Sousa Causo, em 2003, com seu livro Ficção Científica, Fantasia e
Horror no Brasil (1875-1950). De certa forma, anda que não oficialmente,
este prêmio foi substituído pela seção de entrevista “Personalidade do Ano”, do
Anuário Brasileiro de Literatura
Fantástica, edição coordenada por Marcello Simão Branco e Cesar Silva,
publicado entre 2004 e 2013.
Alguns outros prêmios foram extemporâneos como
o Prêmio Fantasticon, entregue apenas em 2011, durante o simpósio literário de
mesmo nome; o “Melhores do Ano”, em votação realizada apenas na internet,
entregue em 2010; o Codex de Ouro, de caráter bianual, também apurado no ambiente da
internet. Sua última premiação foi em 2015.
Se
no Brasil os prêmios não tem repercussão comercial e nem chegam a incentivar a
carreira dos vencedores, tem sim sua importância, no sentido de fazer um
registro do melhor da produção do gênero entre nós, ao longo dos anos. Além de
revelar as tendências temáticas premiadas no gosto do leitor brasileiro e estimular
uma pequena, mas renhida competição em algumas categorias já tradicionais, como
ficção curta e fanzine. É pouco? Em termos de mercado profissional, sem dúvida.
Mas em termos de instituição de uma tradição e reconhecimento do trabalho entre
os brasileiros que produzem ficção científica e gêneros afins, é um serviço
vital e que deve ser mantido e aperfeiçoado, e ampliado com a criação de mais
prêmios.
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