segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Noite das Travessuras (Mischief Night, EUA, 2013)


Com o título traduzido literalmente do original americano “Mischief Night”, o filme de horror “Noite das Travessuras” é ambientado na véspera da tradicional festa de “Halloween” nos Estados Unidos. Foi exibido pelo canal de TV a cabo “SyFy”, conhecido por patrocinar o moderno cinema fantástico bagaceiro, e tem a direção, roteiro e produção de Richard Sckenkman, o mesmo cineasta da tranqueira colossal “Abraham Lincoln Vs. Zombies” (2012), da produtora “The Asylum”.
Emily Walton (Noell Coet) é uma adolescente de dezessete anos que ficou cega após um evento traumático emocional quando tinha oito anos, num acidente de carro que matou sua mãe. Ela faz tratamento psicológico para tentar um dia recuperar a visão. Vivendo com seu pai super protetor, David (Daniel Hugh Kelly), ela tem um namorado, Jimmy (Ian Bamberg). Na véspera do “Halloween”, sozinha em casa após seu pai se ausentar para um raro encontro amoroso, a jovem é atacada por um psicopata assassino mascarado usando uma capa amarela de chuva (interpretado por Adam C. Edwards, mais conhecido por seus trabalhos como dublê). O desafio da garota agora é conseguir se defender, mesmo com as dificuldades causadas pela cegueira, lutando por sua vida contra um invasor que está eliminando todos que chegam perto dela.
O filme é um típico “slasher” sem graça como aqueles da sessão “Supercine” das noites de Sábado da “TV Globo”, ou seja, fraquinho, previsível e repleto de clichês cansativos que não acrescentam absolutamente nada ao gênero. O roteiro é tão óbvio e sem originalidade, que é difícil até imaginar como uma equipe de produção consegue encontrar motivação com uma história dessas para fazer mais um filme igual a diversos outros anteriores. E cujo resultado final certamente teria uma reação fria do espectador, condenando-o para o cemitério dos filmes esquecidos.
É um daqueles exemplos de história onde durante uma hora e meia de filme não existe qualquer tipo de intervenção policial, acontecendo apenas no desfecho com a audição da tradicional sirene de alerta (e nem é “spoiler” mencionar isso de tão previsível), somente após o encerramento dos eventos patéticos. Ou seja, a polícia surge depois que tudo já aconteceu e não se precisa mais dela, facilitando o trabalho do roteirista em deixar o psicopata agir tranquilamente durante todo o tempo, colecionando vítimas.
Curiosamente, em determinado momento, a garota cega está com a televisão ligada exibindo o clássico de zumbis “A Noite dos Mortos-Vivos”, de 1968, dirigido por George Romero. Também é curioso citar que existe outro filme com o nome original exatamente igual, lançado um ano depois em 2014, e com temática muito parecida, mostrando uma jovem babá sendo aterrorizada por um psicopata mascarado, reforçando a falta de originalidade e empenho dos realizadores em tentar mostrar algo diferente.      
(Juvenatrix – 31/08/15)

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O Chamado (The Ring, EUA / Japão, 2002)


“Before you die, you see... The Ring”

Ultimamente o cinema de horror tem sido muito bem representado por filmes que tem priorizado explorar os sentimentos sugeridos de medo do ser humano, em vez de apenas apresentar de forma explícita monstros sobrenaturais, assassinos psicopatas tradicionais e banhos de sangue exagerados. Ótimos exemplos dessa bem sucedida linha de ação são os filmes “Os Outros” (The Others / Los Otros), no melhor estilo “casa mal assombrada”, com direção e roteiro do cineasta chileno Alejandro Amenábar, “O Pacto dos Lobos” (Le Pacte des Loups), produção francesa dirigida por Christophe Gans sobre uma criatura sobrenatural que aterroriza uma aldeia, “A Última Profecia” (The Mothman Prophecies), com Richard Gere enfrentando trágicas profecias, e “A Mão do Diabo” (Frailty), com direção estreante do ótimo ator Bill Paxton (que também atuou), tratando sobre insanidade e o mal interior do Homem. Todos esses filmes foram exibidos em 2002 nos cinemas brasileiros.
Em 31/01/03 estreou oficialmente no Brasil outro filme seguindo esse interessante estilo do cinema de horror, “O Chamado” (The Ring), um thriller sobrenatural da “DreamWorks” produzido por Walter F. Parkes e Laurie MacDonald (de “Gladiador” e “Homens de Preto II”), dirigido por Gore Verbinski (da comédia “A Mexicana”) e com roteiro de Ehren Kruger e Scott Frank, baseado em livro homônimo de Koji Suzuki. Kruger escreveu também “Pânico 3” e a ficção científica “Impostor”, com história inspirada em obra de Philip K. Dick, além de “A Chave Mestra” (2005).
O filme é na verdade uma refilmagem de um original japonês chamado “Ringu”, dirigido por Hideo Nakata em 1998 e escrito por Hiroshi Takahashi, e que transformou-se numa trilogia com a produção de outros dois filmes seguintes, “Ringu 2” e “Ringu 0”, sendo este último uma pré-seqüência, os quais receberam nos Estados Unidos os títulos “The Ring 2” e “Ring 0: The Birthday”. Outro fato interessante a se notar tem sido também uma tendência atual do cinema americano em refilmar histórias que renderam bons filmes em outros países como já foi o caso do suspense com elementos de ficção científica “Vanilla Sky”, estrelado por Tom Cruise, que é uma refilmagem do espanhol “Abre los Ojos” (“Preso na Escuridão”, 1997), dirigido por Alejandro Amenábar.
“O Chamado” procura explorar uma “lenda urbana” mortal, a exibição de um estranho vídeo VHS amador amaldiçoado que provoca a morte de quem o assistiu após exatos 7 dias. Uma repórter, Rachel Keller (Naomi Watts, de “Cidade dos Sonhos”), teve sua sobrinha de dezesseis anos Katy Nurick (Amber Tamblyn) misteriosamente morta, e ao investigar o caso a pedido de sua irmã e mãe da menina, Ruth (Lindsay Frost), percebeu a existência de uma possível relação entre a morte dela e de mais três outros adolescentes (o namorado da garota e mais um casal de amigos), com a suposta maldição de uma fita de vídeo. Ela decidiu então realizar uma investigação pessoal que levou-a a uma pousada nas montanhas conhecida como “Shelter Mountain”, local onde encontrou o tal vídeo obscuro. Com imagens produzidas de forma amadora e mostrando cenas aparentemente desconexas com num confuso pesadelo, a fita mostra basicamente a tragédia da família de uma criadora de cavalos, Anna Morgan (Shannon Cochran), que mora numa ilha chamada “Moesko”, e a relação conturbada entre ela, seu marido Richard (Brian Cox, de “A Identidade Bourne”) e a misteriosa filha adotiva Samara (Daveigh Chase), incluindo ainda fatos estranhos como suicídios de cavalos desesperados que se atiravam ao mar.
Rachel acabou descobrindo realmente a existência da terrível maldição, quando após assistir a fita recebeu um telefonema anônimo informando de sua morte em sete dias. Ela procurou ajuda com seu ex-marido Noah (Martin Henderson, de “Códigos de Guerra”), que também assistiu a fita e é um especialista em fotografia e tecnologia de vídeo. O filho pequeno do casal, Aidan (David Dorfman), que demonstra possuir uma capacidade extrasensorial de comunicação com os mortos, lembrando os personagens sensitivos dos garotos Haley Joel Osment em “O Sexto Sentido” (1999) ou Danny Lloyd em “O Iluminado” (1980), acidentalmente também viu o filme, obrigando seus pais a correrem contra o tempo para descobrir a verdade sobre o macabro vídeo e uma forma de anular o feitiço e salvarem suas vidas.
O roteiro de “O Chamado” está repleto de reviravoltas, surpresas e informações soltas que propositadamente tem a intenção de criar dúvidas e divergências de interpretações no público, ganhando um interesse especial e obrigando-nos a refletir e imaginar os eventos que envolvem a sinistra história de um vídeo amador amaldiçoado. Detalhes que deverão ficar mais esclarecidos nas continuações que serão filmadas inevitavelmente, já que houve um grande sucesso comercial do filme.
Os maiores destaques certamente são uma seqüência tensa envolvendo uma balsa e um cavalo em desespero, e a cena em que um “fantasma eletrônico” sai literalmente através da imagem de uma televisão para cumprir sua missão de vingança, lembrando situações similares do clássico moderno “Poltergeist – O Fenômeno” (1982), de Tobe Hooper.
Como curiosidade existem várias homenagens ao mestre do suspense Alfred Hitchcock, em seqüências com referências aos seus filmes clássicos como “Psicose” (1960), na passagem onde há água escorrendo para o ralo do banheiro quando Rachel está tomando um banho (numa referência à famosa cena do assassinato do chuveiro), ou “Janela Indiscreta” (1954), através do vizinho de prédio de Rachel, que está assistindo televisão sentado numa poltrona e com uma das pernas quebrada (lembrando o personagem similar de James Stewart, que gostava de observar seus vizinhos com uma luneta).  
Outros fatos curiosos foram o aparecimento rápido de imagens de círculos sutis de tamanhos variados, ao longo do filme, numa referência clara ao símbolo do vídeo amaldiçoado, e a ausência do ator Chris Cooper, que havia filmado algumas cenas como um assassino de crianças e foi cortado na edição final. 
A exemplo do que já havia acontecido com o fenômeno “A Bruxa de Blair” (1999), foi também criado um interessante marketing pelos produtores utilizando a internet como meio de divulgação, para chamar a atenção do público quanto ao filme e a mitologia que envolve sua terrível “lenda urbana”. Foram construídos vários sites com produção amadora interligados entre si mostrando depoimentos de pessoas que supostamente tiveram contato com a fita macabra e sofreram as conseqüências da maldição, ou mesmo pessoas que tinham alguma informação sobre esse mistério, ou ainda mais detalhes da tragédia que se abateu sobre a família Morgan, que serviu de base para o conteúdo da fita de vídeo amaldiçoada.
É interessante notar como a história básica da refilmagem de “O Chamado” tem certa similaridade com outro filme de horror produzido na mesma época, “Medopontocombr” (FeardotCom), com direção de William Malone, onde seu roteiro é sobre um misterioso site da web que uma vez visitado causa a morte do internauta em 48 horas. Está cada vez mais perigoso navegar pela internet e assistir vídeos amadores obscuros e bizarros...
Dessa vez, os responsáveis pela escolha do título nacional para o filme foram bem sucedidos, já que “O Chamado” tem uma relação interessante com a história, uma vez que o espectador do vídeo misterioso é “chamado” para morrer uma semana após assistir as enigmáticas imagens, sendo uma alternativa muito boa para o consagrado título original “The Ring” (“O Anel”), que também tem uma forte ligação com a trama numa revelação interessante. Poderíamos até inventar uma frase similar a que foi utilizada para a propaganda original do filme, algo como “Antes de morrer, você ouve... O Chamado”.   
Na equipe técnica da refilmagem americana destaca-se a presença do prestigiado maquiador Rick Baker, um dos melhores profissionais dessa área no mundo cinematográfico atual. Ele foi o responsável por premiados trabalhos em filmes como “Grito de Horror” (1980), “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981), “Homens de Preto” (1997), “O Grinch” (2000), “Planeta dos Macacos” (2001), e “Homens de Preto II” (2002), especializando-se em filmes fantásticos e contribuindo de forma decisiva para transformar em realidade vários monstros do cinema. Ele foi o responsável pela famosa e já clássica seqüência do bar repleto de alienígenas estranhos no primeiro filme produzido da franquia “Star Wars” (1977), além de criar o lobisomem do videoclip “Thriller” do cantor Michael Jackson.
Os produtores de “O Chamado” ficaram tão satisfeitos com o desempenho nas bilheterias que decidiram realizar uma seqüência. Foi grande o sucesso comercial do lançamento do filme, que teve um orçamento de US$ 45 milhões e faturou em pouco tempo o triplo desse valor.
“O Chamado 2” (The Ring Two) foi lançado nos cinemas brasileiros em Março de 2005 e distribuído em DVD em Setembro (com vários materiais extras interessantes), trazendo novamente Naomi Watts e o garoto David Dorfman (que também esteve na refilmagem de “O Massacre da Serra Elétrica”, 2003). A continuação teve um resultado final inferior em relação ao original, dando um destaque maior para a assustadora garota de longos cabelos negros Samara.
Já o DVD de “O Chamado” tem como destaque entre o material extra, um vídeo inédito de quinze minutos feito pelo diretor Gore Verbinski revelando detalhes e segredos importantes para um melhor entendimento do mistério que envolve a fita amaldiçoada.
“O Chamado” é um filme de horror intrigante que merece a atenção dos fãs do gênero, e independente da veracidade da abordagem sobre uma lenda urbana de um vídeo amaldiçoado, sempre é bom lembrar as palavras do garoto sensitivo Aidan, quando preocupado falou para sua mãe sobre o fantasma vingativo de Samara: “Você não entende Rachel? Ela nunca dorme...

Observação: O filme foi exibido pela primeira vez na televisão aberta em 17/04/06, pela TV Globo, na sessão “Tela Quente”. 

O Chamado (The Ring, Estados Unidos / Japão, 2002). Duração: 115 minutos. Direção de Gore Verbinski. Roteiro de Ehren Kruger e Scott Frank, baseado em livro homônimo de Koji Suzuki. Produção de Walter F. Parkes e Laurie MacDonald. Fotografia de Bojan Bazelli. Música de Hans Zimmer. Maquiagem de Rick Baker. Montagem de Craig Wood. Direção de Arte de Patrick M. Sullivan Jr. Elenco: Naomi Watts (Rachel Keller), Martin Henderson (Noah), David Dorfman (Aidan), Amber Tamblyn (Katy Nurick), Lindsay Frost (Ruth Nurick), Brian Cox (Richard Morgan), Shannon Cochran (Anna Morgan), Daveigh Chase (Samara Morgan).

(Juvenatrix - 2003)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Míssil Para a Lua / Terríveis Monstros da Lua (Missile to the Moon, EUA, 1958)


Um projeto científico mantido com investimentos privados tem por objetivo a construção de um foguete para viajar pelo espaço até a Lua. Projetado e construído pelo cientista Dirk Green (Michael Whalen), auxiliado por Steve Dayton (Richard Travis), o projeto do míssil recebe a interferência do governo americano, através do Coronel Wickers (Henry Hunter), que informa aos cientistas que tomará agora o controle das ações. Descontente com a imposição militar, Green planeja desobedecer e fugir com o foguete numa viagem para a Lua. Precisando de uma tripulação mínima, ele utiliza dois presidiários fugitivos, Gene Fennell (Tommy Cook) e Lon (Gary Clarke), que se escondem na nave, além de se juntarem ainda à equipe de forma involuntária, o companheiro Dayton e sua noiva June Saxton (Cathy Downs).
Após um acidente durante o trajeto com uma chuva de meteoritos, Green é atingido mortalmente por um objeto pesado na cabeça, restando aos outros membros a missão de seguir viagem até o destino final. Chegando na Lua, eles têm que lutar por suas vidas, enfrentando a ameaça de criaturas de pedra, passando por uma enorme aranha que vive numa caverna, até fugir dos mortais raios solares, procurando as sombras das montanhas. Além de encontrarem uma cidade habitada apenas por mulheres, lideradas por Lido (K. T. Stevens), que por sua vez tem seu posto hierárquico ameaçado pela gananciosa adversária Alpha (Nina Bara). Entre elas, temos também Lambda (Laurie Mitchell) e Zema (Marjorie Hellen, pseudônimo de Leslie Parrish), que simpatizam com os humanos recém chegados, revelando também que precisam de outro planeta para viver devido um problema com o oxigênio local que está acabando.
Míssil Para a Lua” (Missile to the Moon, 1958) também é conhecido no Brasil com o título “Terríveis Monstros da Lua”, e é uma produção americana paupérrima em preto e branco, dirigida por Richard E. Cunha (1922 / 2005), o mesmo cineasta de tranqueiras como “Mulheres Demônio” (She Demons), “O Gigante do Outro Mundo” (Giant From the Unknown) e “A Filha de Frankenstein” (Frankenstein´s Daughter), todos de 1958, além do thriller “A Moça do Quarto 13” (Girl in Room 13, 1960), numa co-produção brasileira e locações em São Paulo.
O filme apresenta muitas similaridades na história com o anterior “Cat-Women of the Moon” (1953), de Arthur Hilton. Foi lançado em DVD no Brasil pela “FlashStar” em sua “Classic Collection”, trazendo o filme colorizado digitalmente (de onde ficamos sabendo que as belíssimas mulheres lunares são azuis), e tendo como material extra também o filme em sua versão original em preto e branco. Além do elenco inexpressivo e roteiro fuleiro, mostrando uma Lua habitada por monstros hilários e uma civilização exótica de mulheres, temos cenas repletas de efeitos bagaceiros, como o foguete tosco com uma cabine de controle cheia de alavancas, e principalmente a aranha gigante pendurada por fios “invisíveis”.
Enfim, diversão curta (apenas 78 minutos) e garantida para os apreciadores do cinema bagaceiro de ficção científica dos saudosos anos 50 do século passado.
(Juvenatrix – 30/09/12)

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A Queda da Terra (Earth Fall, EUA, 2015)


Dirigido por Steven Daniels e escrito por Colin Reese, em seus primeiros trabalhos, “A Queda da Terra” é mais um daqueles filmes sobre catástrofes naturais exibidos pelo canal de TV a cabo “SyFy”. Representando o moderno cinema fantástico bagaceiro do início do século XXI e produzido pela “Cinetel Films”, estúdio responsável por uma infinidade de outras tranqueiras similares, o filme traz os esperados elementos que devem relegar sua existência inevitavelmente ao limbo, ou seja, um elenco inexpressivo num roteiro óbvio, previsível e cheio de clichês, além de efeitos de CGI vagabundos.
Um corpo celeste imenso em alta velocidade passa próximo da Terra criando um magnetismo intergaláctico que ocasiona a inclinação do eixo do planeta em noventa graus. Outro efeito desse evento foi que a Terra passou a ser atraída por ele, se afastando do Sol. E uma vez vagando sem rumo pelo espaço, nosso planeta ficou no caminho de uma chuva de meteoros, numa provável rota de colisão. Para completar o cenário apocalíptico, ainda temos a ocorrência devastadora de tempestades de fogo e gelo, arrasando as cidades e dizimando milhões de pessoas.
Em meio ao caos, uma típica família americana tenta se reagrupar. Uma vez que o pai, o escritor Steven Lannon (Joe Lando), a mãe, uma cientista trabalhando para o governo, Nancy (Michelle Stafford), e a filha adolescente Rachel (Denyse Tontz), que estava num evento de música numa cidade do interior, estão todos separados quando se inicia a tragédia com a Terra saindo de seu eixo. Paralelamente, o governo dos Estados Unidos, o país que sempre salva o mundo, tenta encontrar uma solução para o problema, com o objetivo de recolocar o planeta na posição original e impedir a extinção da humanidade.
“A Queda da Terra” apenas colabora ainda mais com a “queda da qualidade” desses filmes de catástrofes com elementos de ficção científica que são produzidos em grande quantidade nos Estados Unidos e exibidos na televisão pela “SyFy”. Tudo é muito previsível na história, não fugindo do trivial. Algo ameaça destruir o planeta (nesse caso, um corpo celeste que tirou a Terra de seu eixo). Algo passa a ser o foco das atenções para justificar os 90 minutos de projeção (uma família separada tentando se unir novamente no meio da destruição global). E algo surge como uma tentativa desesperada de salvação para o fim iminente (o governo tenta colocar em prática um plano para reverter o processo de desestabilização do planeta, envolvendo armamento nuclear e uma colossal reserva de gás natural).
Se o espectador desligar o cérebro, e estiver disposto a ver uma história de catástrofe natural repleta dos mesmos velhos clichês, talvez até consiga alguma diversão discreta. Caso contrário, provavelmente o tédio virá à tona. 
(Juvenatrix – 24/08/15)

domingo, 23 de agosto de 2015

Guerras na Estrada (Road Wars, EUA, 2015)


Exibido pelo canal de TV a cabo “SyFy” e produzido pela “The Asylum”, “Guerras na Estrada” é o mockbuster de “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015). A direção e roteiro são de Mark Atkins, que já fez várias tranqueiras para a mesma produtora como “A Batalha de Los Angeles” (2011), “Jack: O Matador de Gigantes” (2013) e “Android Cop” (2014), entre outros, com todos sendo cópias baratas de similares com distribuição nos cinemas.
Num futuro pós-apocalíptico, grupos de sobreviventes vagam em carros estranhos pelos desertos de um planeta com escassez de água, e tomado por uma contaminação de um vírus que transforma as pessoas em vampiros sedentos por sangue. O líder de um dos grupos é Dalas (John Freeman), que tenta manter sua equipe reunida à procura de artefatos que possam auxiliar na construção de armas e munições, além de equipamentos médicos para tentar encontrar a cura para a epidemia. Nesse cenário de desolação, o desafio é sobreviver contra os ataques de infectados conhecidos como “corredores da noite”, e outros chamados de “andarilhos do dia”, que não são sensíveis à luz, além das gangues rivais. Entre os sobreviventes desse mundo caótico, temos o misterioso Thorne (Cole Parker), que foi encontrado sem memória vagando sem rumo pelo deserto, e a guerreira Nakada (Chloe Farnworth), que vive com o dilema entre matar seu namorado Kevin (Phillip Andre Botello) depois que foi mordido por um infectado, ou mantê-lo vivo até conseguir encontrar uma cura para a doença.
Em “Guerras na Estrada” temos alguns elementos que nos remetem ao universo ficcional de “Mad Max”, com seu violento mundo pós-apocalíptico e o desafio de sobreviver em meio ao caos. Mas, como uma cópia reconhecida de baixo orçamento produzida pela “The Asylum”, que tenta aproveitar o movimento em torno de um filme popular com apelo comercial como “Mad Max: Estrada da Fúria”, comprovamos aquilo que já era esperado: um exmplo de cinema ruim ao extremo. Uma vez apresentado como um filme de ação com elementos de ficção científica e horror, o resultado final é lento, chato e com pouca ação, indo na contra mão do entretenimento mínimo esperado num filme desses. E ainda com uma mistura no roteiro, incluindo as manjadas temáticas de contaminação e vampirismo, num conjunto de clichês dispensáveis. É o cinema bagaceiro do século XXI. Porém, que mais aborrece do que diverte.  
(Juvenatrix – 23/08/15)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

As Cidades Indizíveis, Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira, orgs.


As Cidades Indizíveis, Fábio Fernandes & Nelson de Oliveira, orgs. 179 páginas. Capa de M. D. Amado. Rio de Janeiro: Llyr Editorial, 2011
 
Nos últimos anos têm-se verificado um aumento exponencial no número de antologias lançadas no mercado brasileiro de ficção científica e fantasia. A maioria delas composta por autores nacionais e de nomes pouco conhecidos mesmo dentro do fandom, na maioria novatos em início de carreira. Em 2011, uma das antologias que gerou mais expectativa foi As Cidades Indizíveis. Embora tenha reunido apenas autores nacionais, eles não são neófitos no ofício da escrita, ainda que assim possamos considerar parte deles em relação à fc&f.
O livro apresenta nove histórias sobre a cidade enquanto espaço de representação dos dilemas e esperanças da civilização humana. De fato, a cidade é um dos espaços clássicos de ação do drama humano, e no caso particular da fc&f, tem uma tradição muito sólida e antiga, que remonta a séculos antes desses gêneros terem a conformação que modernamente adquiriram. Em especial no campo da ficção científica, a cidade tem representado um espaço privilegiado dos dramas humanos, seja na forma de utopias, distopias, cenários futuristas de mundos alternativos ou hipertecnológicos. Das várias cidades clássicas, podemos citar a dicotomia ideológica entre Anarres e Urrás, de Os Despossuídos (1974), de Ursula K. Le Guin; ou as utopias tecnicista e humanista de Diaspar e Lys, de A Cidade e as Estrelas (1953), de Arthur C. Clarke (1917-2008). Isso sem falar nas hipertecnológicas, como a do filme Metrópolis (1927), ou do êxodo da vida urbana, como exposta no romance fix-up Cidade (1952), de Clifford D. Simak (1904-1988), entre muitos outros exemplos.
Contudo, a proposta dos organizadores Fernandes e Oliveira vão contra essa corrente mais exteriorizada da cidade enquanto palco de ação e transformação. Eles concebem a própria cidade como protagonista, chegando mesmo ao ponto de atribuir-lhe certa consciência, como se ela fosse um organismo vivo e como tal pudesse sentir e influir sobre seus habitantes humanos. Como eles reconhecem, a ideia não é, em si, nova. Os organizadores expõem a dívida criativa para com, entre outras, Macondo, de Gabriel García Márquez, a Buenos Aires de Cortázar (1914-1984), as cidades orientais visitadas por Marco Polo e repensadas por Calvino, ou ainda a cyberpunk Sprawl, de William Gibson.
Ao se ler a antologia, percebe-se que a proposta temática está bem amarrada, pois todas as histórias comungam dessa premissa. Algumas para expô-la de forma mais inteligível, como na movimentada noveleta “Harmonia”, de Roberto de Sousa Causo, que imagina um espaço urbano indígena numa dimensão paralela mais idílica e em contraposição à degradação dos valores humanos da cidade de São Paulo; outras, para construir uma reflexão mais política ou multicultural, como no criativo texto de abertura, “Galimatar”, de Fábio Fernandes, em que, num futuro não muito distante, a grande metrópole do mundo situa-se no Norte da África, e uma linguagem ritualizada através da gastronomia serve de guia para uma maior interação entre pessoas de culturas diferentes.
A estas duas histórias acima citadas que são, a meu ver, as melhores do livro, podemos somar ainda a de Ana Cristina Rodrigues, “O Longo Caminho de Volta”, conto interessante, mas que não se define entre uma proposta mais literária ou de aventura de fantasia. Em contraponto, há outro conjunto mais homogêneo e, diria, tematicamente mais ousado, que busca justamente explorar esta noção de cidades sencientes. Textos como “Céu do Nunca”, de Guilherme Kujawski; “O Dia em que Vesúvia Descobriu o Amor”, de Octavio Aragão; “Primeiro de Abril: Corpus Christi”, de Luiz Bras; “Mnemomáquina”, de Ronaldo Bressane, e a história radical e delirante que fecha o livro, “Cidade Vampira (Entidade Urbana)” de Fausto Fawcett. Há uma clara intenção pós-moderna de desconstruir uma narrativa mais convencional — e até mesmo da compreensão mais cartesiana que a acompanharia —, levando a uma reconstrução em bases mais fragmentadas, desconexas, sem necessário vinculo com o nexo racional. O problema é que esta é uma tarefa intelectual difícil e o risco de falha é grande, se o autor não souber concatenar bem a proposta criativa com o estilo narrativo. E é o que ocorre nos casos de Aragão e Kujawaski, este último com um texto quase ininteligível. Assim também se dá com o tom opressivo e o resultado mal-sucedido de Luís Henrique Pellanda no conto “O Coletivo”, em que é difícil terminar a leitura.
Se há uma proposta temática e uma característica literária que permeia a maioria dos autores, talvez seja justamente no desenvolvimento da prosa que o livro tenha se tornado quase um fardo. De um certo ponto em diante, creio que a partir do fim da leitura do complexo e instigante texto de Luiz Bras —  o que melhor se sai nesta proposta mais radical —, há como que uma certa repetição entre o estilo de prosa e os enredos, todos parecendo semelhantes e, no fim das contas, com pouca clareza, tornando a leitura um desafio nem sempre estimulante, porque torna-se também cansativo.
Em suma, As Cidades Indizíveis realmente deixa de comunicar-se de forma mais aberta, tornando-se um livro de histórias herméticas e, por consequência, às vezes confusas ou pretensiosas. Mas reconheço que um livro como este tem um propósito e se dirige, preferencialmente, a um tipo de leitor com características mais subjetivas ou literariamente menos convencionais. Como minha análise parte de uma linha de visão mais voltada a um tipo de enredo e estilo narrativo mais claro e de dramas mais exteriorizados, daí o meu desconforto com o resultado final do livro. Seja como for, em termos de acréscimo ao tema da cidade dentro da fc&f, o resultado geral é insatisfatório.

– Marcello Simão Branco

Coisas frágeis, Neil Gaiman

Coisas frágeis (Fragile things), Neil Gaiman. 208 páginas. Tradução se Micheli de Aguiar Vartuni. Editora Conrad, São Paulo, 2008.

Na edição de 2008 da Festa Literária Internacional de Parati, a participação do escritor e roteirista britânico Neil Gaiman surpreendeu a todos, centralizando o assédio da imprensa e dos fãs, que formavam filas imensas para conseguir um autógrafo do escritor. Gaiman chegou a ficar mais de cinco horas numa seção de autógrafos.
Houve alguma ciumeira quanto a isso, afinal a maior parte dos fãs de Gaiman são leitores de histórias em quadrinhos, um tipo de literatura não muito bem visto nos meios mais eruditos e até bem pouco tempo, os roteiristas de quadrinhos e os escritores de livros viviam em universos bem diferentes. Gardner Fox, que durante anos escreveu roteiros para a editora de quadrinhos DC, publicou muitos romances de gênero, e um e outro escritores ficaram mais conhecidos pelas adaptações de seus livros à nona arte, como os americanos Robert E. Howard (de Conan, o bárbaro) e Edgar Rice Burrougs (de Tarzan dos macacos).
Essa história começou a mudar depois que o roteirista inglês Alan Moore estreou nos EUA escrevendo para a revista O monstro do pântano. O grande sucesso de Moore motivou a editora DC a contratar seu colega Neil Gaiman, escritor nascido em 1960 em Portchester, Inglaterra, para reformular a personagem Orquídea Negra, que resultou numa minissérie ilustrada por seu parceiro de projetos anteriores, o também inglês Dave McKean.
Em seguida, Gaiman recebeu da DC a missão de reformular Sandman, super-herói de pouca profundidade e quase nenhum apelo. Ao longo da série, publicada entre 1988 e 1996, Gaiman elaborou uma narrativa cheia de drama e mistério com doses maciças de referências literárias, e tornou a revista no maior sucesso dos quadrinhos em todo o mundo. As histórias tinham um tom fantástico e melancólico que agradava leitores de todas as idades e sexos – tanto que Sandman é a revista mais lida entre as mulheres. Em 1991, Gaiman ganhou o prêmio literário Fantasy World com o roteiro de Sandman “Sonhos de uma noite de verão”.
A primeira experiência literária de Gaiman foi o romance Belas maldições (Good omens), escrito em parceria com Terry Pratchett (1948-2015) e publicado em 1990, uma sátira às histórias de horror escatológico. Em 1999, publicou a minissérie em quadrinhos Livros de Magia, que muitos acreditam ser precussor de Harry Potter, da também britânica J. K. Rowling.
Gaiman escrevia roteiros cada vez mais literários para o mercado de quadrinhos, ficando na periferia da literatura, como Stardust, ilustrado por Charles Vess, e Sandman: Os caçadores de sonhos, ilustrado por Yoshitaka Amano. Em 1996, novelizou a série de TV britânica Lugar nenhum (Neverwhere).
Em 2002, Gaiman finalmente entrou pela porta da frente do mercado literário com o romance Deuses americanos (American gods), agraciado com os prêmios Hugo e Nebula. No ano seguinte repetiu a dose com a novela infantil Coraline.  Em 2005 publicou o romance Os filhos de Anansi (Anansi boys) e, no ano seguinte, a antologia Fumaça e espelhos (Smoke and mirrors). Enfim, em 2008, foi publicada no Brasil a coletânea Coisas frágeis (Fragile things), que é objeto desta resenha. Publicada em 2006 na Inglaterra e premiada com o Locus 2007, a coletânea contava originalmente com 32 peças, entre contos, noveletas e poemas, entre eles um miniconto na apresentação. Gaiman declarou não ter gostado do tratamento que a editora Conrad deu a coletânea, pois a edição brasileira traduziu apenas nove textos, ignorando o restante não se sabe por quais motivos. Entre os textos cortados, há dois contos também premiados com o Locus: "Forbidden brides of the faceless slaves in the secret house of the night of dread desire" (2005) e "Closing time" (2004). Por aí já imaginamos o que perdemos os leitores brasileiros.*
Mas antes pouco do que nada. Os nove contos publicados são todos de excelente qualidade e muitos deles dialogam com outros trabalhos de Gaiman e com obras de outros autores. A começar pela noveleta "Um estudo em esmeralda" (A study in emerald) escrita sob encomenda para uma antologia temática. Trata-se de uma ficção alternativa envolvendo Sherlock Holmes - a famosa personagem de Sir Arthur Conan Doyle - e a cosmologia mística de H. P. Lovecraft. O detetive da história e seu assistente-narrador são chamados pela polícia de Londres para investigar o assassinato de um membro da realeza européia que visitava a cidade. A rainha estava especialmente interessada na solução desse caso politicamente constrangedor. As investigações levam a dupla a um teatro, onde encontram entre os atores os suspeitos do crime, ativistas políticos que combatem a monarquia britânica e mundial, uma vez que a Terra dessa realidade não pertence mais aos homens. Trata-se de uma raras histórias inteligentes de final surpresa, em que tudo o que se viu revela não ser de fato o que se pensava. A moldura lovecraftiana dá um ar moderno à peça, que pode ser perfeitamente alinhada a onda steampunk. O trabalho ganhou merecidamente o prêmio Hugo para melhor noveleta em 2004.
"A vez de Outubro" (October in the chair) foi escrito para a antologia Conjunctions, de Peter Straub, e recebeu o prêmio Locus de melhor conto em 2003. Os meses do ano encontram-se anualmente numa floresta para contarem suas experiências. Há alguma confusão, já que os meses não se entendem muito bem quanto a ordem de apresentação. Alguns são expansivos e falastrões, outros introspectivos e melancólicos, e cada um vai contando a sua história. Outubro conta sobre um menino que, oprimido pela presença superior de seu irmão gêmeo, decide fugir de casa. Alguns quilômetros de caminhada e logo depois do pôr-do-sol, ele encontra um vilarejo arruinado e ali conhece o fantasma de um outro garoto. Ambos passam a noite se divertindo entre as ruínas e, quando chega o dia e a hora de dizer adeus, o jovem terá de tomar a mais importante decisão da sua vida. Um conto suave e de aparência singela, mas extremamente assustador, como caberia à Ray Bradbury a quem Gaiman dedicou o conto.
"Lembranças e tesouros" (Keepsakes and treasures)  foi escrita originalmente para uma antologia de histórias em quadrinhos e é a história mais barra-pesada do livro. Quem conta a história é Smith, leão de chácara de um figurão do submundo londrino chamado Sr. Alice, que está negociando a compra do  lendário Tesouro dos Shahinai por um valor astronômico em diamantes e não quer que nada dê errado, pois os vendedores são gente perigosa e desconfiada. A compra sigilosa é realizada num prédio antigo e labiríntico em que paira um clima de irrealidade. O tesouro é o homem mais lindo do mundo, um jovem perfeito criado especialmente para esse fim, o qual o Sr. Alice pretende usar como seu preciso objeto sexual.
"Os fatos no caso da partida da senhorita Finch" (The facts in the case of the departure of Miss Finch) é mais divertido, embora tenha uma boa carga de horror. Escrito sob inspiração de um desenho de Frank Frazetta – a famosa ilustração em que uma jovem belíssima caminha entre dois tigres dentes-de-sabre  – o conto é narrado por um homem que foi convidado a acompanhar um casal de amigos a uma peça de teatro circense experimental, cuja única seção será apresentada nos subterrâneos de Londres. Ele deve acompanhar a esquisita senhorita Finch, uma intelectual retraída, especialista em biogeologia, na presença da qual ninguém fica muito a vontade. O espetáculo desloca-se por vários salões decrépitos e mal iluminados, com a apresentação de números estranhos e perigosos, nem sempre bem sucedidos. O público acredita que tratam-se de truques e segue se divertindo na medida do possível. Já no fim do espetáculo, a senhorita Finch é convidada para participar de um dos números que propõe realizar seu maior sonho, porém o maior sonho da biogeóloga está extinto há alguns milhares de anos.
"O problema de Susan" (The problem of Susan) tem um fundo metalingüístico elegante e bem armado, pois toda a história se desenrola durante uma entrevista que uma jornalista faz com uma velha senhora especialista em livros infantis. Por outro lado, trata-se também de uma ficção alternativa, uma vez que Gaiman toma emprestado aqui a personagem Susan de As crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis. Enquanto a conversa segue, a envelhecida Susan retoma de alguma maneira sua aventura no guarda-roupa e reencontra a feiticeira e o leão. Mas eles agora estão ali para selar o seu destino, depois que ela cresceu e continuou.
"Golias" (Goliath) foi escrito sob encomenda para o site do filme Matrix, antes que ele estreasse. Gaiman diz que leu o roteiro do filme e então escreveu esta história, em que um homem tem sua vida de fracasso reconstruída pela Matrix, uma vida que agora ele goza plenamente e na qual realiza todos os seus sonhos, mas cujo objetivo é que ele se sacrifique pelo planeta quando chegar a hora. E ela chegou.
"Como conversar com garotas em festas" (How to talk to girls at parties) foi publicado primeiro nesta antologia e indicado ao prêmio Hugo 2007 de melhor conto. Narra a aventura de dois adolescentes – um tímido e outro despachado – que vão a uma festa que eles não sabem exatamente onde acontece. No caminho, o jovem despachado instrui o seu colega tímido em como se aproximar das garotas. Quando estão na região da festa, escutam o sons de música e imediatamente concluem ser ali o lugar que procuram. Logo estão paquerando as garotas, o despachado avançando o sinal enquanto o tímido faz tentativas com várias meninas. Mas a paquera dos garotos vai ficando cada vez mais estranha porque aquela não era exatamente a festa que eles estavam procurando.
"Pássaro-do-Sol" (Sunbird) ganhou o prêmio Locus 2006 de melhor conto. Gaiman confessa que tentou emular o estilo do escritor americano R. A Lafferty, pouco publicado em língua portuguesa. Esta divertida história trata de um grupo de gourmets que formam uma sociedade secreta dedicada a devorar toda a espécie de comida. Depois de muito anos de experiências bizarras, parece tudo já foi deglutido e não há mais nenhum prato novo no cardápio. Então um deles, justamente o mais pobre – na verdade, um mendigo – propõe que eles comam o lendário pássaro do sol da Cidade de Sol, no Cairo. Por absurda que soasse a sugestão, ela acaba aceita pelo grupo, que monta uma custosa expedição ao Egito em busca da iguaria, que o mendigo conhece muito bem por motivos que serão explicados na altura devida.
Em "O monarca do vale" (The monarch of the glen), Gaiman retoma Shadow, o personagem de seu romance Deuses americanos, ao lado de Smith e o Sr. Alice, vistos em "Lembranças e tesouros", para recontar a luta de Beowulf e Greendel no seu cenário original, as regiões remotas da Escócia. Shadow está vagando pela região e seu tamanho e habilidade são notados por um aldeão, que o convida para trabalhar de segurança numa festa de ricaços que vai acontecer num castelo ali por perto. Ele é alertado por uma funcionária do hotel para que não aceite o serviço, que é muito mais perigoso do que parece, mas Shadow está sem dinheiro e acaba aceitando. Quando chega o dia do evento e Shadow comparece para o serviço, é aceito com muita cortesia e instruído nas normas de conduta de uma festa dessa natureza. Mas suas funções ali vão muito além de simplesmente proteger os ricaços da antipatia dos aldeões. Trata-se do trabalho mais longo da coletânea.
Em todas as peças Gaiman demostra habilidade plena nas ferramentas narrativas e nos protocolos dos gêneros. Os contos dialogam com peças importantes da fantasia mundial, dando-lhes um especial toque contemporâneo.
É impossível não comparar a ficção de Gaiman com a de Ray Bradbury – pra quem o autor dedicou o volume, juntamente com Harlan Ellison e Robert Sheckley – com a significativa diferença que Bradbury trata do meio-oeste americano e Gaiman fixa-se nos cenários britânicos que são o seu berço.
Gaiman caminha a passos largos para se tornar o grande nome da literatura de fantasia nos próximos anos, mesmo sem ter uma heptalogia adaptada para o cinema, embora já tenha alguns de suas histórias filmadas, como o romance infantil Coraline (2009) e a hq Stardust (2007), além do roteiro para a animação Beowulf, dirigida por Robert Zemeckis, entre outros. O carisma de Neil Gaiman emana das reais e palpáveis qualidade e sinceridade de seu trabalho. Fiquemos, então, de olho-vivo nele.
Cesar Silva
* Em 2010, a editora Conrad publicou os textos cortados em um segundo volume, Coisas frágeis II.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Pânico em Seattle (Seattle Superstorm, EUA, 2012)


O canal de TV a cabo “SyFy” é conhecido pelas tranqueiras que exibe em sua programação, com especial atenção para o cinema fantástico e sobre desastres. Em parceria com a produtora “Marvista Entertainment”, foi lançado em 2012 a bagaceira “Pânico em Seattle” (Seattle Superstorm), dirigido por Jason Bourque, o mesmo cineasta de “Stonados” (2013), outra porcaria colossal no mesmo estilo.
Com esse manjado e totalmente sem criatividade título nacional que começa com “Pânico” (a lista de filmes cujos nomes escolhidos no Brasil iniciam dessa forma é tão extensa que dificulta a catalogação), temos novamente aqui uma história banal com elementos de ação e ficção científica, com uma catástrofe ameaçando uma grande cidade americana. Um objeto voador não identificado surge nos céus em rota de colisão com Seattle, no Estado de Washington. Rapidamente um sistema de defesa entra em ação e o objeto é destruído por um míssil teleguiado disparado de um navio militar. Porém, fragmentos caíram na cidade causando estranhas reações com uma misteriosa fumaça preta, gerando uma combinação de tornados, terremotos e tempestades com relâmpagos que podem causar grande destruição na cidade.
Para liderar os esforços de defesa temos o arrogante e desequilibrado Jacob Stinson (Martin Cummins), chefe em comando da “DMA” (Agência de Gerenciamento de Desastres), que precisa trabalhar em conjunto com a Tenente Comandante Emma Peterson (Ona Grauer), que tem contato direto com o Presidente. Ela é noiva do cientista da NASA Tom Reynolds (Esai Morales), que participa da equipe científica que está estudando o fenômeno, juntamente com a Dra. Carolyn Gates (Michelle Harrison). Os filhos dos casamentos anteriores deles são os adolescentes Wyatt Reynolds (Jared Abrahamson) e Chloe Peterson Mackenzie Porter), que sempre estão em constante conflito, dificultando a formação de uma nova família.
Após o surgimento de um veterano bioquímico russo, Dimitri Kandinsky (Jay Brazeau), que trabalhava na antiga União Soviética no final dos anos 60 do século passado, são reveladas informações importantes relacionadas ao incidente climático e uma arma biológica de destruição em massa da guerra fria. Resta aos heróis de plantão, a família em conflito, se unir para descobrir um meio de combater o desastre e impedir a aniquilação de Seattle.
Os filmes de catástrofes naturais apresentados pelo canal de TV “SyFy”, um sub-gênero do cinema bagaceiro do século XXI com seus roteiros ruins e CGI vagabundo, tem conseguido uma grande legião de fãs. Tanto que as produções similares não diminuem o ritmo e todos os anos são lançadas diversas tranqueiras sobre desastres ameaçando as cidades americanas.
Mas, é fácil notar a precariedade do roteiro de “Pânico em Seattle”, assinado pela dupla David Ray e Jeff Renfroe, onde basicamente ocorre um desastre (nesse caso uma mistura de tornados, terremotos e tempestades) causado por algum motivo que será investigado por cientistas. Aí temos a apresentação das personagens principais, sendo aqui uma família que tenta se estabelecer, apesar das constantes brigas entre os adolescentes, além de comentários irritantes e deslocados em meio ao caos. Em paralelo, surge o elenco secundário que por vilania ou heroísmo, irá morrer. E, num completo exercício de inverossimilhança, não veremos as ações das autoridades, exército ou defesa nacional, e sim a evidência de lição de moral e virtudes do manjado lema da “união que faz a força”, e a superação da família de heróis americanos que dribla as adversidades e salva a cidade, encerrando a ameaça do desastre. Essas revelações nem podem ser consideradas “spoilers”, pois é o modelo básico das histórias de todos os filmes dentro desse sub-gênero patrocinado pela “SyFy” em parceria com produtoras e distribuidoras, com pequenas variações.
Curiosamente, existem várias cenas onde aparece um dos principais pontos turísticos de Seattle, o “Obelisco Espacial” (Space Needle), uma torre extremamente alta com um restaurante giratório no topo, um monumento com arquitetura futurista construído em 1962. E, logicamente, os realizadores do filme fizeram questão de derrubar com um tornado e mostrar no cartaz.  
(Juvenatrix – 17/08/15)

sábado, 15 de agosto de 2015

Vinte Milhões de Léguas a Marte (World Without End, EUA, 1956)


Ficção científica da saudosa década de 50 do século XX, época de inúmeras produções divertidas do cinema fantástico. A direção e roteiro de “Vinte Milhões de Léguas a Marte” é de Edward Bernds (1905 / 2000), o mesmo cineasta de “Rebelião dos Planetas” (1958), “O Monstro de Mil Olhos” (1959, segunda parte da série “A Mosca”), e “Valley of the Dragons” (1961), além de alguns filmes de comédia com “Os Três Patetas”.
A história mostra um grupo de aventureiros espaciais a bordo de um foguete orbitando o planeta Marte. Liderado pelo cientista Dr. Eldon Galbraithe (Nelson Leigh), a expedição ainda conta com o Herbert Ellis (Rod Taylor, de “A Máquina do Tempo”, 1960), John Borden (Hugh Marlowe, de “O Dia Em Que a Terra Parou”, 1951) e Henry Jaffe (Christopher Dark). Após observações ao planeta vermelho sem pousar em sua superfície, eles iniciam o retorno para casa. Porém, a nave repentinamente entra numa torção de tempo, um deslocamento exponencial no espaço, atingindo uma velocidade absurdamente alta que impulsiona o foguete para um salto no futuro, indo parar na Terra de 2508.
Após um pouso forçado numa região com neve, amortecendo o impacto, o grupo escapa ileso e inicia um reconhecimento do local. Entre os perigos que enfrentam, está o ataque de aranhas gigantes do tamanho de cachorros de grande porte, que cresceram de forma descomunal após contato com radiação. Além de um confronto violento com humanóides mutantes, parecidos com os primitivos homens da caverna do passado remoto da Terra. Eles descobrem que o planeta sofreu uma guerra atômica e encontram uma civilização de remanescentes da catástrofe que vive escondida em câmaras subterrâneas, lideradas pelo Presidente do Conselho Timmek (Everett Glass). Dotados de inteligência, eles sobrevivem com segurança e conforto por séculos, produzindo o próprio alimento, mas com a população diminuindo drasticamente com o passar dos anos, com os homens não demonstrando coragem para saírem à procura de um mundo novo na superfície sem radiação da guerra, dissipada pelo tempo.
O recém chegado grupo de viajantes do espaço que veio do passado, tenta inspirar o povo subterrâneo a combater os mutantes da superfície e reconstruir sua civilização. Contando com o apoio das belas mulheres locais com vestidos curtos como as jovens Garnet (Nancy Gates), filha de Timmek, Elaine (Shawn Smith, de outras bagaceiras como “A Ameaça do Outro Mundo”, 1958), responsável pelos jardins hidropônicos que geram os alimentos, e a ajudante geral Deena (Lisa Montell). Mas, por outro lado, eles enfrentam a resistência e oposição política de Mories (Booth Colman, o orangotango Zaius da série de TV “Planeta dos Macacos”, 1974).
“Vinte Milhões de Léguas a Marte” é curto, com apenas 80 minutos, e tem um título sonoro, exagerado e bem diferente do original, que traduzido literalmente seria “Mundo Sem Fim”. É uma produção com orçamento menor, como podemos perceber nos efeitos toscos e precários da maquete do foguete espacial enfrentando a turbulência na torção de tempo, balançando como um brinquedo descontrolado, ou na cena de aterrissagem forçada na neve, tão patética que diverte. Cenas da nave espacial foram aproveitadas do filme “Voando Para Marte” (1951). O ataque das aranhas gigantes numa caverna também comprova a precariedade da concepção dos efeitos, uma vez que não passam de bichos toscos de borracha e pelúcia, que apesar de motorizados, parecem estáticos, e que são arremessados contra suas vítimas. Por outro lado, os cenários coloridos e em formatos geométricos que formam os cômodos da cidade subterrânea são bem interessantes e com aspectos futuristas. As portas deslizantes serviram de inspiração na nave “Enterprise” da série clássica de TV “Jornada nas Estrelas”.
É fácil notar também várias similaridades com o posterior “A Máquina do Tempo”, que é um filme bem mais conhecido pela produção caprichada do especialista George Pal e história baseada em livro homônimo de H. G. Wells. Elementos como a viagem no tempo e o futuro apocalíptico da humanidade, com a divisão entre duas classes sociais distintas, uma vivendo na superfície e outra no subsolo do planeta.
O roteiro traz elementos sempre interessantes no cinema de ficção científica, principalmente naquele período dourado da década de 1950, com a abordagem de viagens espaciais, deslocamentos no tempo e cenários pós-apocalípticos, com a humanidade sabendo do perigo de uma destruição global numa catástrofe nuclear, mas não conseguindo exercer a sabedoria para evitá-la. Após o rompimento da barreira do som com jatos propulsores e a descoberta do poder do átomo em bombas, a humanidade em crescente evolução tecnológica, estava agora partindo para exploração do espaço e outros planetas.
Mas, contrapondo às sempre bem vindas especulações científicas e a ambientação no século 26, temos no roteiro vários elementos que nos remetem para uma aventura banal de romance, com os homens do século XX despertando o interesse amoroso das mulheres do futuro, por sua beleza, coragem e características altruístas, diminuindo um pouco o interesse da história.        
(Juvenatrix – 15/08/15)

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Sobrenatural: A Origem (Insidious: Chapter 3, EUA / Canadá, 2015)


Quando você chama um morto, todos os outros podem ouvi-lo.
Em 30/07/15 entrou em cartaz nos cinemas brasileiros o terceiro filme da franquia “Sobrenatural”, que explora o sub-gênero do horror com assombrações e fantasmas. “Sobrenatural: A Origem” (Insidious: Chapter 3) tem agora direção de Leigh Whannell, o criador das personagens e também conhecido pela história de outra franquia bem sucedida, “Jogos Mortais” (Saw).
O roteiro apresenta agora eventos anteriores aos primeiros dois filmes, que tiveram o foco nas assombrações perturbadoras envolvendo a família Lambert e as ações da sensitiva veterana Elise Rainier (Lin Shaye) na tentativa de ajudá-los a enfrentar a ameaça de seres atormentados que povoam o obscuro mundo dos mortos. Dessa vez, como o próprio título nacional anuncia, trata-se de uma pré-sequência, que concentra as atenções na figura da adolescente Quinn Brenner (Stefanie Scott), que quer se comunicar com a mãe falecida. Ela pede ajuda para a experiente médium, mas o contato com o mundo “mais além” permite que a garota seja perseguida por uma entidade sobrenatural maléfica conhecida como “o homem que não pode respirar” (Michael Reid MacKay).
Já é fato estabelecido que a franquia “Sobrenatural” tem despertado o interesse de boa parte dos fãs, tanto que a série tem três filmes. Porém, exceto pela carismática e veterana atriz Lin Shaye, que interpreta uma sensitiva com poderes para transitar por uma dimensão habitada por espíritos perturbados, a história esbarra inevitavelmente nos tradicionais clichês do gênero, com os manjados sustos fáceis e um desfecho previsível, com direito na cena final para uma “surpresa que não surpreende”.
Até temos a impressão de uma tentativa honesta dos realizadores em apresentar elementos de horror que satisfaçam a diversão dos apreciadores do cinema de horror, mas com um sub-gênero tão saturado, fica extremamente árdua a tarefa de fugir dos clichês. Dentro dessa ideia, a franquia “Sobrenatural” é apenas levemente acima da média, mas o bom retorno das bilheterias tem impulsionado a consolidação de seu universo ficcional.
(Juvenatrix – 13/08/15)

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O Ataque da Mulher Aranha (Mesa of Lost Women, 1953)


Mais uma história de “cientista louco” do cinema bagaceiro de horror e ficção científica dos anos 50 do século XX. Com fotografia em preto e branco e curto com apenas 70 minutos de duração, a direção é de Ron Ormond e Herbert Tevos, sendo que este último também é o responsável pelo roteiro.
Um avião faz um pouso forçado num deserto no México, próximo à fronteira com os Estados Unidos, conhecido como “Deserto da Morte”. Os passageiros são o piloto Grant Phillips (Robert Knapp), o milionário Jan van Croft (Nico Lek), sua esposa Doreen Culbertson (Mary Hill), bem mais jovem e aparentemente interessada no dinheiro do marido rico e no amor do piloto jovem, além do serviçal Wu (Samuel Wu), do Dr. Leland J. Masterson (Harmon Stevens), paciente fugitivo de um manicômio, e de George (George Burrows), funcionário do hospício que está em seu encalço.
Perdidos no deserto, eles são observados e atacados à noite por um grupo de misteriosas mulheres e anões, que fazem parte de experimentos de um “cientista louco”, Dr. Aranya (Jackie Coogan, o tio Fester da série de TV “A Família Addams”, 1964/1966). Ele está trabalhando num laboratório escondido no subterrâneo de uma montanha, realizando experiências com a mistura de hormônios de crescimento entre aranhas e mulheres humanas. Segundo ele, no mundo dos insetos o macho é débil e sem importância, e sua intenção é obter criaturas mistas de aranha e mulher, com a inteligência e beleza humanas, e os poderes e instintos dos aracnídeos, e que um dia poderiam controlar o mundo, dominados por sua vontade como mestre criador.
Em “O Ataque da Mulher Aranha” (Mesa of Lost Women), temos um exemplo típico de um filme ruim, de baixíssimo orçamento, bagaceiro ao extremo em todos os aspectos, representando o cinema fantástico tranqueira daquele período da década de 1950 do século passado. De história absurda a elenco inexpressivo, passando por efeitos precários e risíveis de tão toscos. As aranhas aparecem pouco e é nítida a utilização de um bicho de pelúcia gigante arremessado em cima de um homem, simulando um ataque mortal. É para figurar na galeria das cenas mais patéticas da história do cinema bagaceiro.
Além de toda a precariedade da produção, que inclui um laboratório científico com os tradicionais aparelhos estranhos e máquinas elétricas bizarras, e a simulação do pouso forçado no deserto com a miniatura de um avião, ainda temos uma trilha sonora irritante com acorde de viola e acompanhamento de piano, que atrapalha ainda mais a narrativa lenta e entediante. Somado com uma extensa narração do experiente ator Lyle Talbot, que só funciona bem no início do filme, servindo de interessante introdução para a história, mas que se perde e deixa de agregar posteriormente. É o tipo de filme que a duração curta é uma virtude bem vinda, pois o tédio do espectador termina mais rápido.
Por outro lado, além da cena bizarra do ataque da aranha gigante, ainda vale registrar a presença da bela atriz Tandra Quinn no papel de Tarantella, uma dançarina que não diz uma única palavra e que fez parte das experiências do “cientista louco”, com a mistura de hormônios de aranha em seu corpo.
Curiosamente, o “Mesa” do título original refere-se ao imenso platô do deserto altiplano mexicano onde o “cientista louco” se refugiou para colocar em prática seu plano maquiavélico com a criação das “mulheres perdidas” com hormônios de aranhas.
(Juvenatrix – 10/08/15)

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Contos Fantásticos Amor e Sexo, Braulio Tavares, organizador

Contos Fantásticos Amor e Sexo. Organização, apresentação e traduções de Braulio Tavares. Rio de Janeiro: Imã Editorial, 2011. 226 páginas.

A ficção científica é um gênero que prescinde de limites de tempo, espaço e também de assunto. Certa vez o escritor Octavio Aragão afirmou que “tudo é FC”. Causou muita polêmica, pois foi mal compreendido fora do contexto em que sua sentença deveria ser aplicada. O fato é que, em tese, qualquer tema é passível de ser discutido dentro da ficção científica. Assim, amor e sexo, dois assuntos relacionados como dos mais importantes para o ser humano, embora pouco lembrados como temas próprios de FC&F, também podem ganhar tratamento no interior do gênero.
Mas esta nova antologia de Braulio Tavares, surgida nos estertores de 2011, não é apenas uma seleção caprichada de contos e noveletas sobre FC. Como o próprio título sugere, há uma mistura, com histórias também de horror e fantástico, por vezes de forma pura, por vezes de forma híbrida em termos de limites de gênero. Mas dada a alta qualidade média das histórias, mesmo puristas de um gênero ou outro, acredito que não se incomodarão com esta proposta mais abrangente.
O livro é bem produzido, com uma capa que inspira mais o estranhamento do que a sensualidade, alterna algumas páginas na cor preta com a branca e tem pequenas ilustrações igualmente sugestivas entre um texto e outro, assinadas por Odilon Redon (1840-1916) que, desconfio,  deve ter sido descoberto durante o processo de pesquisa para o livro.
A antologia tem dez narrativas e um posfácio assinado pelo organizador.  Se observei acima a variedade de gêneros, o rol de autores que os representam não fica atrás: há os clássicos, como Conan Doyle e Poe, passando por nomes mais ligados ao realismo mainstream , como Balzac, e aqueles mais contemporâneos, voltados à FC, como Delany e Silverberg. Além disso a antologia promove a estreia no país de pelo menos um autor, Jonh Crowley, e publica novamente o talento ainda a ser descoberto pelo leitor brasileiro do australiano Greg Egan.
Contos Fantásticos Amor e Sexo não é uma antologia que reúne aventuras amorosas com finais felizes ou grandes desempenhos sexuais dos personagens. Ao contrário, como ressalta sem uma certa surpresa o próprio organizador no posfácio não há finais felizes, bem resolvidos nas histórias selecionadas. Amor e sexo são abordados do ponto de vista dramático e, por consequência, psicológico. Para Tavares, é de uma literatura mais complexa o tratamento do amor e do sexo como problemas, não como soluções. Desencadeiam situações dramáticas, e não como possíveis conclusões de uma trajetória. Já numa ficção de caráter mais realista ou mesmo pornográfica, busca-se uma solução satisfatória para os personagens e para o leitor. A sensação de um romance feliz ou a plena excitação sexual.
Neste sentido, a FC&F brasileira teve ao menos duas tentativas, primeiro com Como Era Gostosa a Minha Alienígena!: Antologia de Contos Eróticos Fantásticos, (2003), e depois com Érótica Fantástica (2012), ambas organizadas por Gerson Lodi-Ribeiro. São antologias que, de maneira geral, ressaltaram mais o sexo e seus efeitos em si. A primeira principalmente pela ótica das relações sexuais não usuais entre humanos e monstros ou alienígenas, e a mais recente com uma maior mistura de temas e gêneros, em torno do sexo e da sensualidade.
Mas se, ao invés, o resultado da antologia selecionada por Tavares apresenta um tom mais cinzento, não falta emoção às histórias, pois elas problematizam o desejo e a paixão, em um nível médio mais sofisticado do que o usualmente encontrado, seja em livros mainstream ou mesmo no interior da FC&F, por vezes remetidos aos chavões ou a reafirmações de estereótipos em seu desenvolvimento ou solução. Assim, algumas histórias deste livro primam pelo estranhamento, outras pela intensidade trágica do drama e também algumas por uma melancolia esperançosa.
O texto de abertura, “Para Sempre, e Gomorra!”, de Samuel R. Delany foi publicado em 1967 na controversa e influente antologia Dangerous Visions, organizada por Harlan Ellison. No contexto da corrida espacial procura especular como será quando (e se) os astronautas estiverem tão adaptados à vida no espaço, que terão uma constituição física diferente das pessoas que vivem na Terra. No conto são os chamados spacers que passam a ser objeto de desejo e perversão sexual, talvez instigados por sua androginia.
Robert Silverberg abordou o tema do sexo por mais de uma vez, e quando vi seu nome na capa pensei que veria no livro a tão tocante quanto improvável história de amor de um golfinho por uma mulher, em “Ismael Apaixonado” (1970). Mas o texto presente é “No Grupo”, uma pungente história de sexo grupal no futuro em que um dos integrantes sente falta de um relacionamento mais antigo, com uma única parceira. Publicado em 1973, ainda ecoa a liberação sexual dos anos 1960, e tem o mérito de ser uma nova história do autor publicada no Brasil, depois de inacreditáveis 19 anos.[1]
John Crowley e Greg Egan procuram refletir sobre a questão da memória e da intimidade levadas ao paroxismo em seus textos, respectivamente “Neve” e “Mais Perto”. Na primeira, um viúvo fica obcecado com a possibilidade de relembrar (e reviver) todos os momentos ao lado de seu amor perdido, através de vídeos gravados dos momentos que viveram juntos. Na segunda, uma espécie de pen-drive acoplado no cérebro – chamado de Ndoli – torna possível que uma pessoa partilhe inteiramente dos pensamentos, memórias e sensações da outra. Cada vez mais perto, numa intimidade que leva à fusão, tanto no texto de Crowley como no de Egan, conduz a resultados que dissimulam, anulam o que também compõem o desejo, a paixão e o amor: a busca por um complemento do que nos falta.
Numa chave de maior romantismo, Ruth Rendell e o desconhecido William M. Lee apresentam as duas histórias que me causaram o maior impacto emocional. Em “O Duplo”, a autora inglesa conta sobre uma jovem que por acaso encontra a sua versão mais velha num parque. Ela fica muito perturbada, pois seguindo as crenças esotéricas de sua mãe, acredita que morrerá depois de um ano devido a este encontro.  Mas é seu nomorado que potencializa o drama, ao se aproximar cada vez mais da versão mais madura. O desfecho é ambíguo, pois tanto pode ser fruto do mal entendido gerado no triangulo amoroso, como por de fato ser causado por uma espécie de maldição.
“Uma Mensagem de Charity” é um dos textos românticos mais bonitos e delicados que já li. Fala de um amor impossível – e por isso mesmo não concretizável, portanto, não feliz – entre uma garota do século 18 e um garoto contemporâneo do final do século 20. Mas como isso é possível? Ambos ficam doentes e, sob febre e delírios, compartilham telepaticamente os pensamentos através do tempo. Telepatia pertence tradicionalmente à FC, mas nesta história também pode ser remetida ao fantástico. Seja como for, ambos se apaixonam. Mas a garota sofre uma acusação de bruxaria, por inadvertidamente dizer estar ouvindo vozes em sua mente, e precisará da orientação de seu distante amor para se safar da fogueira.  O romance acaba não prosperando – não haveria como –, mas a mensagem final deixada por ela no contato final entre os dois não deixa dúvidas sobre o grande amor vivido. Um amor que lutou não contra a barreira do espaço, mas do tempo!
Honoré de Balzac, Conan Doyle e Poe representam os autores mais clássicos neste livro e suas histórias dão um toque mais, digamos, respeitável à obra em termos de reconhecimento literário. Neste particular, soma-se também o brasileiro Fausto Cunha que embora não tenha o mesmo status que os outros apresenta em termos temáticos o conto “61 Cigni”, que também sublinha a questão da solidão como central e a incompreensão de relações mal resolvidas. Seja em termos trágicos como no conto de Cunha e Balzac, ou na solução mais sobrenatural ou mística em Poe e Conan Doyle.
Com esta nova antologia, Braulio Tavares reafirma sua condição de pesquisador dedicado, e um selecionador refinado e maduro. Atento tanto à busca da qualidade, quanto à formação do leitor com textos de autores mais sancionados, como de outros mais obscuros mas não menos interessantes, pelo menos para o tema em questão. Nesse sentido é um livro que acrescenta e enriquece a reflexão sobre as muitas questões do amor e do sexo, por um viés não convencional, e também por isso muito iluminador do quanto podem render histórias emocionantes e surpreendentes dentro do ramo fantástico da literatura.

-- Marcello Simão Branco

[1] A última aparição editorial de Robert Silverberg no Brasil ocorreu com o romance Uma Pequena Morte, publicado pela Editora 34, em 1993. O responsável pela publicação foi o mesmo Braulio Tavares.